Cubana atrevida
Havana, e Cuba, estão a mudar — talvez não tanto como os cubanos gostariam, mas o país está realmente a mudar. E os turistas também chegam em busca dessa mudança. Já nem todos se contentam com o casco histórico da capital, repleto de belos edifícios coloniais; com a comida dos paladares; com a salsa e a rumba dos clubes onde os mojitos são quem mais ordena; com as fotografias ao lado de habaneras com charutos na boca e vestes tropicais coloridas; com os Cadillac e Chevrolet fumarentos que fazem uma das imagens de marca de Havana. Muitos, cada vez mais, procuram novas janelas, indiscretas ou não, para ler a cidade.
É que fazemos também, quando passamos por casa de Alberto e o vemos a fumar um cigarro à porta. “Porque é que os cubanos têm as portas sempre abertas?”, perguntamos. “Porque está calor.” Ri-se primeiro e depois acrescenta, sem reservas: “Porque os cubanos não têm nada a esconder.” Então podemos entrar? “Claro.”
A casa de Alberto, 60 anos e uns olhos azuis que enfeitiçam, abre-se imediatamente para a sala, onde há uma enorme TV, uma ventoinha, várias fotografias na parede e espalhadas pelos móveis. Cheira bem, a comida que se apura no fogão que também vemos daqui, na minicozinha colada à sala. “Uma vizinha veio cá cozinhar-me, estou mal do fígado”, explica Alberto. Foi pelo fígado que hoje não foi trabalhar — é motorista numa companhia grega de barcos. “O cubano, se trabalha come. A vida não é assim tão difícil em Cuba. A educação, a saúde, são grátis. Sabe qual é um dos principais problemas? É que há muita gente que quer viver num mundo de fantasia, sem trabalhar, e assim não é possível.”
Apesar dos ventos de mudança que vão soprando, Alberto tem os pés assentes na terra e sabe as regras do jogo. Deixa-nos entrar, mas fala pouco sobre a sua vida; deixa-nos fotografar a casa, mas não se deixa fotografar.
Com Alex e Dayana essa questão nem se coloca — até os nomes aqui são falsos. A abordagem não é a mais habitual, mas ninguém melhor do que um cubano para aproveitar o momento. Quanto mais dois cubanos. Depois de nos “salvarem” de um possível atropelamento, a conversa. “Não querem saber como funciona tudo aqui?”. Queremos, pois, e afinal a tarde ainda vai a meio quando chegamos aqui à vista do Capitólio, em obras (“Estão a arranjar o Capitólio, porque não arranjam a minha casa?”, lamenta-se Dayana).
É num café “para cubanos” (porque se paga em pesos cubanos) que nos sentamos, mobiliário espartano, paredes de cor suja. Somos cobrados em CUC (pesos convertíveis) como se estivéssemos num hotel de várias estrelas; não regateamos porque já esperávamos — e até recebemos um CD de música cubana (pirateado, bem entendido) que a dupla nos queria vender na primeira abordagem. Da primeira abordagem à abordagem possível: não levam o dinheiro do CD, levam, imaginamos, uma boa percentagem do preço da rodada de mojitos. Se quiséssemos puros, levar-nos-iam a uma loja onde se podem comprar ao preço real (não fomos abordados na rua por vendedores de charutos e as lojas onde entramos tinham preços iguais) e a comer ao “melhor paladar” (aqui, seriam pagos em géneros: “se comes frango, dão-nos frango”).