Fugas - Viagens

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Cuba: Jogo de sombras (mais o sol das Caraíbas)

No cruzamento da Calle Obispo com a Mercaderes, um rapaz encosta-se a uma parede com uma serpente à laia de boa e outra a rodear-lhe um braço; mais à frente, uma velha cubana com um puro na boca — esperam fotos e a devida recompensa. Estamos na órbita do Hotel Ambos Mundos, fama eterna garantida ou não tivesse sido casa de Hemingway. Junto à porta, mãos que se estendem, “Dame algo, mi vida, dame algo”; na praceta em frente (Plazuela de Santo Domingo), uma exposição de peixes metálicos quase ofusca a estátua ali plantada a 24 de Abril. Um grupo de turistas brasileiros, acompanhados de um guia, passa sem parar. Um homem ainda lê a inscrição — Luís Vaz de Camões, poeta português — e vira costas.

Velha presença em Havana é outro português, que compõe o que agora é um triângulo literário em escassos metros. A Columnata Egipciana, aqui ao lado, foi o café habitual de Eça de Queirós enquanto cônsul em Havana. Ele, em reprodução de desenho de Almada Negreiros, está num painel de azulejos com a assinatura Viúva Lamego (não são os únicos exemplares: as placas de algumas praças — fixamos a Plaza da Catedral e a Plaza de Armas — têm a mesma proveniência lusa) e o pianista sabe a sua lição: descoberta a nossa nacionalidade, toca Coimbra e há-de passar por Uma casa portuguesa, entre Frank Sinatra, The Eagles, Jacques Brel e outros. Entretanto, um barulho atrai-nos para a rua. Será uma centena de jovens, venezuelanos, sobretudo mulheres. “Alerta, alerta que camina el corazón de Chávez por América Latina.”

Lennon e os heróis

Chávez, el mejor amigo de Cuba.” Vamos lê-lo em cartazes gigantescos fora de Havana, onde a iconografia revolucionária continua pujante. Também na capital há murais com slogans, há murais com rostos — Che, Fidel, sobretudo, povo anónimo na construção do socialismo. “Cuba trata bem os seus heróis”, diz-nos o “comodoro” da Marina Hemingway, José Díaz. Sim, trata, pelo que se vê em Havana. Há muitas estátuas espalhadas pela cidade, desde um Miranda navegador a Antonio Maceo e Céspedes (heróis também universais: vemos um busto de Arafat em Miramar e John Lennon está sentado num banco no parque que tem o seu nome no Vedado). A José Martí é dedicado o maior monumento de Havana (e algumas outras estátuas), mas não será o mais fotografado: na mesma Praça da Revolução, enorme ágora de cimento, o edifício do Ministério do Interior é o que atrai mais — a imagem de Che Guevara de Korda, hasta la victoria siempre, desenha-se na fachada; Camilo Cienfuegos, vas bien Fidel, está no Ministério da Informática e Telecomunicações. É um local de carga política evidente, mas, faz questão de sublinhar a guia, também foi aqui que o Papa João Paulo II rezou uma missa.

Avante!, que Cuba vive um PREC que já é história — o Museu da Revolução, instalado apropriadamente no antigo palácio presidencial, mostra os artefactos das revoluções nacionais (a de 1959, sobretudo), e o Museu Nacional dos Comités de Defesa da Revolução, entre as lojas da Calle Obispo, faz a revisão da matéria dada. Há algo de irreal enquanto caminhamos na rua ao lado do Museu da Revolução com o seu tanque à porta e seguimos, entre um silêncio invulgar de fim de dia, pelo Memorial Granma, visto ao lusco-fusco, mais vivo junto da chama perene do monumento aos Héroes Eternos de La Patria Nueva.

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